1 de setembro de 1955

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(O seguinte é a tradução deum artigo por S.N.Goenka publicado na edição do Vipaysana Patrika de setembro 2005 e adaptado para o Boletim Vipassana VRI (Vipassana Newsletter).

1 de setembro de 1955! Um dia extremamente importante da minha vida! As incuráveis e insuportáveis enxaquecas, que tinham sido uma maldição terrível, agora se tornaram uma benção para mim. Entrei para o curso de meditação Vipassana do meu reverenciado professor, Sayagyi U Ba Khin, por dez dias. Eu tinha tido sérias dúvidas sobre o curso. Ainda assim, fui e ganhei benefícios surpreendentes. Isso é bem conhecido.

Minha principal dúvida sobre Vipassana era o fato de ser uma técnica de meditação budista. E se isso me fizesse abandonar minha religião hindu? E se eu me tornasse budista? Certamente eu iria me perder, e ficaria desonrado, se deixasse minha religião! Embora eu tivesse devoção pelo Buda, não tinha nada além de desdém por seu ensinamento! Apesar disso, fui para o curso porque Sayagyi me convenceu que, no curso de Vipassana, nenhuma outra coisa seria ensinada além de sīla (moralidade), samādhi (concentração de espírito) e paññā (sabedoria). Como poderia um hindu como eu – ou qualquer pessoa de qualquer religião – se opor à moralidade, concentração da mente e sabedoria? Viver uma vida de moralidade, desenvolver domínio sobre a mente e purificar a mente ao adquirir sabedoria – como qualquer pessoa razoável pode se opor a esses três ensinamentos? Eu queria me livrar das minhas contaminações mentais, tais como raiva e egoísmo, que resultaram em uma vida cheia de tensão e eram a causa principal das dores de cabeça da enxaqueca. Além disso, a família em que nasci e a atmosfera em que cresci davam grande importância ao ideal de abster-se de condutas insalubres, à prática da conduta moral e a manter a mente livre da negatividade.

Portanto, fiquei até certo ponto tranquilo quando Sayagyi afirmou ser isso o que Buda ensinou, e que só isso seria ensinado no curso de Vipassana, nada mais. Ainda assim, alguma dúvida permanecia. Decidi que praticaria somente sīla, samādhi e paññā no curso e não aceitaria mais nada. Eu pensei que era realmente verdade que havia coisas boas no Dhamma do Buda, e era por isso que tinha sido aceito e honrado em tantos países e por tantas pessoas. Mas todos os bons elementos tinham sido retirados dos nossos textos védicos. Decidi ficar longe do resto. Ao final dos dez dias, vi que de fato, conforme a declaração de Sayagyi, nada além de sīla, samādhi e paññā foi ensinado no curso. A alegação de que essa técnica daria resultados aqui e agora provou ser verdadeira. A prática de apenas dez dias começou a erradicar minhas contaminações mentais. Minha tensão foi diminuindo e, como resultado, a enxaqueca foi curada. Também fui aliviado para sempre do sofrimento causado pelas injeções de morfina e da necessidade de tomar comprimidos para dormir. A prática diária de Vipassana enfraqueceu minhas impurezas mentais. Meu sofrimento começou a se reduzir. Não encontrei nenhum defeito na técnica. Era totalmente impecável. Eu não via nada de prejudicial na técnica. Era realmente benéfica.

No próprio primeiro curso, minha busca espiritual foi totalmente satisfeita. Achei Vipassana tão pura que não senti necessidade de ir a nenhum outro lugar em busca de outra técnica de meditação. Para me desenvolver em Vipassana, todos os dias eu meditava uma hora pela manhã e à noite e participava de pelo menos um curso de dez dias por ano. Às vezes, participava de um curso longo de um mês, o que me deu uma compreensão mais profunda no nível experiencial. Achei Vipassana muito racional e lógica, prática e científica. Não havia lugar para crença cega nisso. Não se insistia que eu devia acreditar somente porque meu professor havia dito isso ou o Buda havia dito isso ou pelo fato do ensinamento constar no Tipiṭaka. O ensinamento era compreendido no nível intelectual, depois no nível da experiência, e só então era aceito. Não se aceitava sem saber, sem compreender e sem experimentar.

O Arya Samaj tornou-me um pensador racional e me manteve longe das crenças cegas. Isso, em si, era um grande benefício. Vipassana foi mais adiante. Libertou-me das discussões filosóficas intelectuais desidratadas e do frenesi da devoção sentimental e me ensinou a experimentar a verdadeira espiritualidade. Aceitando quaisquer verdades que realmente experimentasse, progredi ainda mais e experimentei verdades mais sutis. Continuei a examinar se as minhas impurezas mentais estariam, ou não, ficando mais fracas. Fui atraído pela ênfase do ensinamento em se melhorar de fato, no presente. Eu entendi que se o presente melhorasse, o futuro melhoraria automaticamente. Se essa vida melhorar, a próxima vida melhorará automaticamente. Também ficou claro para mim que eu era totalmente responsável por contaminar a minha mente. Por que qualquer força invisível externa contaminaria minha mente? Da mesma forma, só eu tinha a responsabilidade de purificar minha mente. O professor, com grande compaixão, nos mostraria o caminho. Mas eu teria que andar no caminho passo a passo. Eu me livrei da ilusão de que outra pessoa me libertaria.

Esta técnica não me ensinou a desenvolver desprezo ou aversão por deuses e deusas invisíveis, mas me ensinou a desenvolver mettā por estes seres. Sentir que “Apni mukti, apne hatha, apna parisrama, apna puruSartha” – “Nossa libertação está em nossas próprias mãos; depende de nossa própria diligência e esforço”, não resultou em egoísmo, mas gerou uma humilde consciência de minha própria responsabilidade. Eu gostei dessa autoconfiança. Fiquei repleto de êxtase ao recordar estas palavras de um poeta: “Svavalanbana ki eka jhalaka para nyauchavara Kubera ka koSa” : “O tesouro de Kubera (o deus da riqueza) foi renunciado em troca de um vislumbre de autoconfiança”. Minha vida foi transformada. Senti como se tivesse nascido de novo.

1954 foi o último ano do primeiro Buda sāsanā, de 2500 anos. Nesse ano, entrei em contato com o Buda sāsanā pela primeira vez quando fui nomeado membro do comitê de organização alimentar para fornecer comida vegetariana durante o Chattha Sangayana. 1955 seria o primeiro ano do segundo Buda sāsanā. Nesse ano, aprendi meditação Vipassana. Parece que aquele primeiro ano do segundo Buda sāsanā foi a aurora da minha boa sorte. O último ano do primeiro Buda sāsanā foi o amanhecer, sinalizando esse auspicioso nascer do sol. Os 50 anos desta jornada de Dhamma tornaram a minha vida significativa, fazendo com que fosse bem-sucedida. Eu me sinto abençoado.

Que o resto da minha vida seja dedicada ao Dhamma. Caminhante na vereda do Dhamma, S. N. Goenka

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