Entrevista com servidor de cursos na prisão

Uma transformação profunda e benéfica 

captura-de-pantalla-2016-08-17-a-las-8-42-02-p-mA seguir, um excerto de uma entrevista com um aluno antigo que serviu como gerente em oito cursos em presídios (publicado na Vipassana Prison Newsletter – vol. XIII, 2018)

Por que você faz um trabalho como esse?

Na maioria dos cursos de que participei, em centros de meditação, havia uma evidente predominância de alunos brancos. Queria participar de um curso com mais negros. Quando vi o filme Dhamma Brothers, logo pensei que gostaria de poder contribuir para um curso em presídio. Entrei em contato com a Associação Norte Americana de Vipassana em Presídios que, na época, só autorizava professores assistentes como servidores dos cursos nas prisões. Enviei minha proposta, dizendo que “podia ser simpático se os detentos tivessem pessoas de alguma forma parecidas com eles ajudando nos cursos”, e me responderam, “vamos tentar”.

De início, minha intenção era fazer o bem, ajudar quem precisa. Ao encontrar os detentos pela primeira vez, pensei “se estivéssemos lá fora, cruzaria a rua pra não chegar perto de alguns desses caras”. Mas, então, comecei a perceber outras coisas, a ver diferente. A minha principal motivação para voltar é que eu vejo mudanças positivas em muitos deles.  Eu vejo a transformação – e imagino que muito mais esteja acontecendo além do que noto.

Que tipos de mudança você vê?

Alguns detentos são bastante agressivos. Acho que é um personagem que muitos adotam nos presídios: querer ser valentão. Alguns dos mais jovens criam caso, testam os limites. Mas até mesmo eles – os que atrapalham o curso – tiram muito proveito dele. No fim do curso, dá pra sentir a compaixão, o cuidado, em cada um deles. Pude acompanhar alguns detentos ao longo dos anos e ver a transformação profunda e benéfica pela qual passaram.

E isso tudo também transforma você?

Os cursos nos presídios me ajudaram a perceber as semelhanças entre eu e muitos deles. Talvez seja um mero acaso eu não ter acabado na prisão. Tantas outras pessoas em liberdade certamente poderiam dizer a mesma coisa. No geral, aprendi muito. E fazer isso também contribui para a minha meditação.

Durante a meditação, a dor – tanto física quanto mental – pode ser um problema. Por que temos que trabalhar com a dor? Já tenho dores suficientes na minha vida. Antes de começar a meditar, achava que grande parte da dor era causada por agentes externos, que o mundo me tratava mal. Na meditação aprendi que posso controlar uma boa parte da minha dor, que, até mesmo, sou eu quem gero a dor pela maneira como reajo às coisas.

Goenka diz: “simplesmente observe a dor”. Posso estar sentado e ter a sensação que alguém está pressionando o meu joelho com uma lança incandescente, parece que não vai parar mais – e, de repente, some.  Então digo, “maravilha, nenhuma dor mais!” e, logo depois, ela volta. Por fim, aprendi que não tem ninguém pressionando o meu joelho com uma lança. Eu mesmo crio isso ou simplesmente acontece, de qualquer forma, não dura, vem e vai. Aprendi por experiência. E saber disso me ajuda a lidar com todas as outras dores na minha vida.

Como você começou a meditar?

Era professor de matemática no ensino médio e uma aluna me falou sobre meditação. Um tempo depois, quis saber para quantas pessoas ela tinha dado a mesma sugestão e ela respondeu: duas. Quando contei para ela que a prática de meditação tinha me ajudado muito, ela disse “eu sabia”.

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